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Prof.ª dr.ª Izabel Castanha Gil

 

Em tempos marcados pelas complexas relações entre produção, circulação e consumo, parte da inovação consiste em criar novos arranjos que gerem eficiência nos processos, produtos e serviços. Soma-se a isso a inegável urgência por soluções ambientalmente responsáveis.

O Projeto Jatobá surge nesse contexto: fazer da regeneração ambiental uma forma criativa de oferecer alimentos saudáveis enquanto gera renda e repõe parte da biodiversidade. Imenso desafio numa região cuja vegetação original foi reduzida a menos de 5%; o fruto não faz parte da dieta alimentar tradicional e, em escala maior, ainda não constitui cadeia produtiva estruturada no país.

Por onde começar? Tudo começa com um propósito e, a partir dele, vão se reunindo pequenos elementos, a começar com aquilo que se tem à mão. E o propósito está definido: lançar novos olhares sobre os recursos naturais regionais; repor parte da biodiversidade perdida com a exploração afoita por resultados meramente econômicos; conectar pessoas com os mesmos ideais; gerar renda com criatividade.

E assim, em 2020, começa a saga do jatobá no espigão divisor Aguapeí e Peixe, com esta professora e um grupo de pessoas muito especiais. Desde 2016, com estudantes dos cursos de Geografia e História do Centro Universitário de Adamantina/FAI e alunos do ensino médio da ETEC Prof. Eudécio Luiz Vicente, ambas de Adamantina, e pessoas da comunidade regional, começamos a observar recursos naturais dessa área, que pudessem desencadear estudos e ações empreendedoras voltadas à ressignificação do desenvolvimento regional. A latitude tropical tem forte influência na configuração paisagística regional, caracterizada pelas chuvas de verão e estiagens de inverno; predomínio de altas temperaturas; terrenos com altitudes modestas; solos arenosos que favorecem a percolação das águas pluviais responsáveis pela formação de uma intensa rede hídrica. Somos uma ínfima parte da bacia do rio Paraná, gigante brasileira na geração de eletricidade.

Em 2018, pensando em aproveitar o mel da flor do cipó-uva (Serjania lethalis), procurei a APTA de Adamantina (Agência Paulista de Tecnologia para o Agronegócio), com o intuito de obter informações científicas sobre a espécie. Esta, por sua vez, mobilizou a vinda do pesquisador Luiz Carlos Bernacci, de Campinas, que nos expediu um laudo acerca da liana presente no bioma Mata Atlântica. Em seu retorno, Bernacci, passando por um supermercado, fotografou uma bandeja com 4 jatobá e me enviou a imagem, destacando o preço dos frutos nativos: R$22,00. O valor me chamou a atenção por ser um fruto presente e menosprezado por aqui. Comecei a procurar informações sobre a espécie (Hymenaea spp.) e me surpreendeu a versatilidade desse fruto nativo na alimentação, medicina popular, rituais místicos, madeira e outros usos.

Já com amostras do fruto coletadas por estudantes do ensino médio, em março de 2020, dias antes do longo isolamento imposto pela pandemia Covid-19, fomos até o viveiro municipal de Flórida Paulista, com apoio da ETEC Herval Bellusci (Colégio Agrícola de Adamantina), que nos cedeu o transporte. Lá, com o agrônomo e secretário municipal de Agricultura, Cleber Oliveira, plantamos as primeiras mudas de jatobá. 

Durante o período pandêmico fiz levantamentos bibliográficos sobre o jatobá, aumentando o meu interesse pelo fruto. Em 2022, com um pouco de farinha preparada, procurei a culinarista Dina Pigozzi, de Irapuru, para que fizesse alguns testes com receitas tradicionais. Procurei também o chef de gastronomia e especialista em alimentos fitoterápicos Édipo Willian dos Santos, em Parapuã, para que usasse as técnicas gastronômicas em receitas voltadas a pessoas com restrições alimentares, uma vez que a farinha não contém glúten. Empreendedoras de algumas cidades passaram a criar produtos inspirados no jatobá, nascendo a farinha torrada de jatobá (da Izabel, de Adamantina), o xarope de casca de jatobá (da Sônia Moreno, de Osvaldo Cruz), bordados da Bel Arelhano (de Tupi Paulista), biojoias (da Geisa/Adamantina, Ariane/Birigui e Gustavo Palomo/Rinópolis), xampu e condicionador (da Leiriane, de Pacaembu), cerâmicas da Zeny e amigurimis da Carol (de Dracena), vinagre (da Dom Spinosa, de Assis). O chef Édipo dedicou meses à criação de uma receita única do bolo de jatobá. Além dele, desenvolveu o sorvete, a barrinha de cereais, o panetone e uma infinidade de delícias. Por meio do programa federal de bolsa de estudos, em convênio com a FAI, três estudantes do ensino médio desenvolveram pesquisas de iniciação científica, tendo o jatobá como tema de interesse.

Aos poucos nascia uma plêiade de possibilidades inimagináveis, com destaque para a gastronomia do chef Édipo Willian dos Santos e da sub-chef Glauciellen Serafin dos Santos. Participações em feiras locais, com as apreciadas degustações, testes de aceitabilidade com escolares, demonstrações a nutricionistas e secretários municipais de Educação, cursos de confeitaria e de empreendedorismo com jatobá, cardápios especiais servidos em eventos de referência, têm desmistificado a resistência das pessoas quanto ao cheiro forte do fruto e destacado o seu sabor suave e nutritivo.

Outras iniciativas ampliam a visibilidade e demonstram a versatilidade desse fruto nativo: lançamento da plataforma experimental www.emporioflamejante.combr), lançamento da revista Bonapetit (edição de agosto/2024, inteiramente dedicada ao jatobá), participações em eventos acadêmicos, elaboração da jatobateca (www.latitude21.com.br), lançamento da música Jatobá (https://www.youtube.com/watch?v=FDJbW2lsYiU), entrevistas em rádios locais e reportagem na TV regional, participação no evento gastronômico Mesa São Paulo, são algumas dessas ações. 

Destaca-se a mobilização de coletores urbanos e rurais, especialmente mulheres e aposentados, que viram no fruto a oportunidade de renda extra. Devido ao alto valor comercial da madeira, os jatobazeiros foram quase dizimados no oeste paulista, restando árvores remanescentes nas pastagens, próximas a alguns rios, margens de estradas, praças públicas e arrabaldes das cidades. Cumprindo o seu papel regenerador, já são cerca de 12.000 mudas plantadas em alguns municípios da Nova Alta Paulista, a partir das sementes advindas do processamento dos frutos. Uma árvore adulta produz cerca de 200 kg de frutos, que sem aproveitamento, se perdiam no chão.

Feitos os experimentos e avaliados os resultados, a fase atual caracteriza-se pela escalabilidade de produtos, estando já prontos o “bolobá” (mistura de bolo de caneca para micro-ondas), o sorvete, a pasta para confeitaria, o “chocobá” (chocolate com farinha de jatobá), o vinagre, a bala funcional de jatobá, entre outras opções a serem lançadas em breve. It´s Food Pesquisa e Desenvolvimento Consultoria, de Marília, tem sido a responsável pelas criações.

Diversas ações estão em andamento, sempre em parceria, ampliando as possibilidades e estendendo as oportunidades. Tantas realizações resultam de uma rede de cooperação técnica, científica, solidária e comercial composta por instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão, organizações privadas e da sociedade civil, que já se expande para além da Nova Alta Paulista e do estado de São Paulo. Destaque para a mídia local e regional, que tem feito ampla cobertura dos eventos e proporcionado reportagens exclusivas. 

Ainda há um longo caminho a ser percorrido para a consolidação dessa cadeia produtiva. Vimos dando ênfase na dimensão tecnologia de alimentos, porém, há infinitas possibilidades em P&D, que já começam a se desenhar em indústria de cosmético, farmacêutica e outras para aproveitamento da casca, semente e resina. 

O Projeto Jatobá tem na educação um de seus principais lastros e ele continuará a cumprir o seu papel socioeducativo, gerando conhecimento, oferecendo alimentos saudáveis, promovendo regeneração ambiental, gerando renda, resgatando tradições e promovendo inovação.

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